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O “problema”​ do IGPM, o Projeto de Lei 1026/2021 e as “fake news”​

Depois das revisões dos aluguéis em razão da pandemia, o aumento do IGPM é a “bola da vez” do mercado imobiliário. Acabo de receber um e-mail (pela segunda vez), de um site de abaixo-assinados, me convidando para assinar uma petição com a seguinte descrição:

Vote a favor do Projeto de Lei 1026/2021, de autoria do Deputado Federal Vinícius de Carvalho, o qual determina que o reajuste dos contratos de aluguel residencial e comercial não poderá ser superior ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), Índice este que regula a inflação oficial do País. 
O atual índice de reajuste dos aluguéis é o IGPM e já acumula 32% nos últimos 12 meses, afetando milhares de famílias e comerciantes do Brasil, que dependem de locação residencial ou comercial.
A proposta do PL 1026/2021 tramita na Câmara dos Deputados.

“Fake news” para atrair assinaturas e apoiadores?

A petição conta com poucas assinaturas, mas o PL tem muitos apoiadores e vem sendo divulgado com diversos factóides (“fake news”).

Vamos a eles:

– É mentira que “O atual índice de reajuste dos aluguéis é o IGPM”;

– NÃO existe um “índice que regula a inflação oficial do País”;

– NÃO existe um “índice de reajuste dos aluguéis”.

IPCA x IGPM:

O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) é um índice calculado pelo IBGE, com base em coleta de preços em estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, concessionária de serviços públicos e intenet.

Por essa composição, a tendência é que ele reflita de forma mais aproximada o cotidiano da população em geral. Por isso, é atualmente considerado o índice oficial de inflação pelo Governo.

O IGP-M ou “IGPM” (Índice Geral de Preços – Mercado), por sua vez, é um índice calculado pela FGV e que tem divulgação regular desde a década de 1940. Por causa desse histórico, e por (quase) sempre refletir a inflação real, se aproximando de outros índices de preço, se tornou popular nos contratos imobiliários (especialmente de locação).

No entanto, a composição do IGPM, influenciada por preços de matérias-primas agrícolas, industriais e da construção civil – que, indubitavelmente, tiveram forte elevação nos últimos meses/ano -, fez com que ele se descolasse da inflação do dia-a-dia da população e, consequentemente, do IPCA.

O gráfico abaixo demonstra como a crise iniciada no ano de 2020, em razão da pandemia do Coronavírus (Sars-Cov2), causou uma diferença inédita desses dois índices (IGPM e IPCA):

Gráfico comparativo entre os índices de preço IPCA e IGP-M
Gráfico comparativo entre os índices de preço IPCA e IGP-M

Por motivos óbvios, isso vem causando uma grave distorção nos reajustes dos contratos nos quais ele é aplicado.

Ocorre que tanto estes quanto outros muitos índices calculados por entidades públicas (como o IBGE) e privadas (como a FGV) podem medir a inflação existente em determinados setores. Afinal, são criados para isso: calcular e refletir o aumento dos preços de produtos e serviços. Em outras palavras, os índices de preços não regulam a inflação. Eles apenas a quantificam e a refletem em números, de acordo com variáveis da realidade previamente escolhidas para o cálculo, a depender da sua finalidade.

O “problema” do aumento do IGPM nos contratos

É fato que a distorção criada pelo descolamento do IGPM é prejudicial aos negócios em geral, inclusive aos contratos de locação e especialmente aos locatários, maiores prejudicados pelo aumento dos aluguéis.

Em outros contratos (serviços de telefonia, planos de saúde etc.), que também vêm sofrendo com o aumento do IGPM, a situação é ainda mais grave. A própria natureza desses contratos (de consumo, de adesão, impostos por concessionárias, grandes empresas e cooperativas de âmbito nacional em face de consumidores) praticamente impossibilita qualquer discussão a respeito do reajuste.

Diferente do que acontece nessas contratações, o mercado da locação é e sempre foi reconhecido como um dos mais paritários e onde sempre predominou a liberdade de contratação, dentro dos limites estabelecidos pela Lei do Inquilinato.

Por que (não) fixar ou impor limitação aos reajustes? O problema é o IGPM?

A ideia de limitar o reajuste do aluguel é sedutora, como é toda ideia de tabelamento de preços. Afinal, quem poderia ser contra ajudar os mais necessitados contra o aumento do preço de sua moradia? Pior ainda em tempos de crise sanitária e econômica!

No entanto, ao contrário do que possa parecer em uma primeira análise, nem sempre o locador (proprietário do imóvel locado) é o rico investidor, parte mais forte da locação. Pode, por exemplo, ser uma família proprietária de um único imóvel, cuja renda proveniente do aluguel reflete grande parte da renda familiar.

Por outro lado, nem sempre o locatário é o pequeno comerciante ou o morador de baixa renda sem imóvel próprio para residência da família. Pode, por exemplo, ser uma grande empresa que abre uma filial ou uma família de classe alta buscando uma residência provisória.

Nessa perspectiva, a tentativa de regular preços da locação pode ser altamente prejudicial ao mercado locatício e até mesmo aos preços dos aluguéis no futuro.

Definir um índice específico ou um limite para o reajuste nunca foi a opção da Lei do Inquilinato. Ela sempre delegou às partes (locador e locatário) essa escolha, que pode ser até mesmo a ausência de reajuste. Muitos dizem que é justamente por isso que ela sempre funcionou bem, ao contrário de muitas leis brasileiras.

Além disso, a tentativa pode ser inócua. Afinal, nada impede que o IPCA sofra um desajuste pelo aumento dos preços que ele reflete e também fuja da realidade.

Reajuste x Revisão: a solução legal para o desajuste

Abrindo um “parênteses” no texto, é necessário uma definição conceitual, diferenciando reajuste e revisão do aluguel.

O reajuste é o que está sendo aqui tratado. É a possibilidade de aumento/diminuição do valor do aluguel previamente estipulada entre as partes, de acordo com um índice (por exemplo, o IGPM) ou percentual.

A revisão, por outro lado, é uma possibilidade prevista na Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) de modificação do valor do aluguel se este não estiver de acordo com o valor do mercado.

O reajuste é feito automaticamente, de acordo com a previsão do contrato. A revisão é feita judicialmente (através da Ação Revisional do Aluguel), “após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado” (art. 19 da Lei 8.245/91).

A melhor solução é a consensual, não a imposta

O cenário de crise, o descolamento do IGPM e o apelo a factóides não podem ser utilizados para modificar uma sistemática que, em geral, funciona harmonicamente há décadas.

Locador e locatário devem negociar amigavelmente os reajustes, e podem optar por limita-lo ou escolher outro índice. E, se for o caso, podem até mesmo levar a discussão à Justiça, como sempre foi feito. Inclusive por meio da Ação Revisional do Aluguel, acima citada.

A tentativa de aprovação forçada de uma barreira aos reajustes não só me parece inválida pela forma como vem sendo conduzida e divulgada, mas também pode ser altamente maléfica e imprevisível para a realidade dos contratos de locação de todo o país.

Gabriel C. Baptista
Gabriel C. Baptista
Advogado e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina.

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