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A Lei dos Distratos e o que de fato mudou nos contratos de compra e venda de imóveis

Publicada no apagar das luzes de 2018, a Lei nº 13.786/2018, vulgarmente chamada de “Lei dos Distratos”, alterou algumas disposições das Leis de Incorporação Imobiliária e Parcelamento do Solo Urbano.

Dentre as alterações, estão a obrigatoriedade de o contrato contar com um quadro-resumo das principais disposições; a autorização legal para a previsão da polêmica “cláusula de tolerância”, que admite a prorrogação do prazo para entrega do imóvel por até 180 dias além do prazo inicialmente previsto para entrega do empreendimento, sem qualquer ônus para a construtora; e o direito de arrependimento do adquirente, no prazo de 7 dias, em negócios realizados fora da sede da construtora.

Além disso, a Lei regulou os chamados “distratos” dos contratos de compra e venda de imóveis ou de lotes urbanos (sem alienação fiduciária). Em resumo, ela trouxe disposições a respeito das situações em que o comprador/adquirente pretende rescindir o contrato de compra sem motivo, isto é, por mera vontade pessoal, o que inclui a dificuldade financeira para quitar as parcelas e até mesmo os casos em que há resolução por inadimplemento do adquirente. 

Nessas situações, apesar de haver previsão legal (e também contratual) de que tais contratos eram irretratáveis (não admitindo o arrependimento posterior e/ou a rescisão por vontade das partes), o Judiciário entendia que os adquirentes podem desistir do negócio e obter a devolução das parcelas pagas, em acordo com as construtoras ou até mesmo unilateralmente, em especial na condição de consumidores, normalmente com fundamento no art. 53 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Esse entendimento se consolidou, por exemplo, no teor da Súmula 523 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 543 – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. (Súmula 543, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)

Assim, considerando nulas as multas contratuais previstas, as decisões proferidas em situações anteriores à aplicação da “Lei dos Distratos” costumam determinar a devolução dos valores pagos, devidamente atualizados, fixando um valor que varia entre 10% a 25% do total das PARCELAS PAGAS, a título de “multa rescisória”, sendo qualquer desconto além disso considerado abusivo. 

Nos contratos firmados na vigência da “Lei dos Distratos”, esta retenção (multa) está limitada a até 50% da quantia paga, nos casos de incorporação submetida ao regime de Patrimônio de Afetação; a 25% da quantia paga, nas incorporações sem Patrimônio de Afetação, e 10% do valor atualizado do contrato, nos casos de loteamentos urbanos.

Para as incorporações imobiliárias com Patrimônio de Afetação, a devolução dos valores deverá se dar em parcela única, no prazo de 30 dias após a obtenção do habite-se ou da revenda da unidade devolvida. Sem o referido regime, o prazo para devolução é de 180 dias, contados da data do desfazimento do contrato (exceto também no caso de revenda). Já para os loteamentos urbanos, a restituição poderá se dar em até 12 parcelas mensais. 

Além disso, autoriza-se a retenção da comissão de corretagem, impostos, cotas de condomínio, contribuições, um valor mensal de “aluguel” pelo tempo que o adquirente permaneceu no imóvel, dentre outros. 

Como se nota, a “Lei dos Distratos” se originou principalmente das justificáveis queixas das construtoras com relação aos prejuízos ocasionados pela grande quantidade de rescisões dos contratos de compra e venda de imóveis na planta, sobretudo em tempos de crise e diante das facilidades e vantagens que os adquirentes encontravam para efetuar a rescisão. 

Apesar de ainda gerar muito debate, alguns entendimentos já tem sido consolidados pela Jurisprudência, como a questão da inaplicabilidade da “Lei dos Distratos” a contratos firmados anteriormente à sua vigência.

No entanto, em 2019, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese, em recursos repetitivos, no sentido de que “Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão” (Tema 1.002).

Segundo a decisão, nos contratos anteriores à “Lei dos Distratos”, os juros de mora relativos à restituição das parcelas devem incidir a partir da data do trânsito em julgado da decisão que determinou a rescisão, porque inexiste mora anterior do vendedor se a rescisão do contrato se deu por culpa do comprador, com restituição de valores em desconformidade com o que foi pactuado (na forma definida na sentença).

Por outro lado, os contratos regidos pela lei não estarão submetidos ao mesmo entendimento, pois, na hipótese de não serem observadas as diretrizes legais, a sentença apenas irá declarar a nulidade da cláusula contratual e condenará a construtora ao pagamento do valor de acordo com o previsto na “Lei dos Distratos”.

*Texto publicado originalmente na coluna Painel Imobiliário do jornal Folha de Londrina (edição dos dias 09 e 10 de fevereiro de 2019).

Gabriel C. Baptista
Gabriel C. Baptista
Advogado e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina.

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